O brasileiro descobriu em 2013 que não existe privacidade na internet. As denúncias do site Wikileaks, de Julian Assange, e as de Edward Snowden, ex-analista de inteligência norte-americano, mostraram que vários programas dos Estados Unidos e de outros países fazem, há muito tempo, vigilância eletrônica dos cidadãos ao redor do mundo.

Agora, a troca do protocolo que permite a identificação de cada dispositivo na internet, o chamado Internet Protocol (IP), é uma nova mudança que deve deixar em alerta os usuários da rede. O Ipv4, padrão atual, que até então gerou pouco mais de 4 bilhões de endereços diferentes, já é insuficiente para mapear as máquinas do planeta – computadores, tablets, smartphones, por exemplo. Ele está sendo substituído pelo Ipv6, que permite um número infinitamente maior de endereços – 340 tera (34×10 elevado a 13ª potência) – abrindo espaço para que cada objeto possa ter seu próprio endereço na internet e, por isso, viabilizar o IP das coisas.

Demi Getschko, um dos membros do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), lembra que, já no final dos anos 90 do século passado, ficou claro que o IPv4 deveria ser extinto, pois não haveria mais IP suficiente. “Não se extinguiu e chegamos a 2013, mas vai de fato se extinguir no ano que vem, porque a internet se defende com alguma gambiarras.”

O cientista cita medidas como a que permite a escolha de um endereço válido para esconder vários outros endereços inválidos na internet, como os IPs usados nas redes domésticas por computadores e smartphones. Na prática, são endereços reservados para o usuário internamente, mas que não são visíveis externamente. Então, todo mundo pode usar vários IPs, teoricamente invisíveis para o ambiente externo em casa, mas precisará de um outro endereço (IPv4) válido para fazer a conexão com a internet.

“Tudo estará ligado com as coisas boas e ruins que isso traz. As boas coisas, de que todos falarão: conforto para todo mundo e conectividade ampla. Coisas ruins? Privacidade em alto risco. Tudo que você faz pode ser conhecido. Tudo que seus equipamentos fazem entre si poderá ser passado para outros equipamentos. São coisas complicadas. Nossa privacidade pode estar em risco”, alerta Getschko, que participou, em dezembro, de um seminário em João Pessoa.

De acordo com Gestschko, com a nova geração de IPs, um televisor, por exemplo, poderá estar conectado ao fabricante e, quando pifar, poderá ser consertado remotamente. Mas, por outro lado, não se sabe o que o fabricante fará com os dados coletados, como suas preferências, os programas e horários, entre outras possibilidades.

Durante sua explanação no seminário, bem-humorado, Getschko lembrou de uma charge que trazia um cachorro, em 1993, dizendo a outro que, na internet, ninguém sabia que ele era um cachorro, indicando a possibilidade de privacidade. As coisas mudaram e agora, em 2013, todo mundo sabe que, na ponta, tem um cachorro, sabe a raça, que ração consome e o nome do veterinário, disse o cientista, atualizando a charge.

Esse falso anonimato, que se dizia existir em 1993, nunca foi real. “Agora, quebra-se de vez, com todo mundo conectado e todos os equipamentos plugados”, destacou. O representante do CGI.br disse ainda que não é verdade que existam novos delitos na internet. Segundo Getschko, o que existe são novas possibilidades de investigação.

Getschko, que é considerado um dos precursores da internet do Brasil, é de opinião que o Marco Civil da Internet, discutido no Congresso Nacional, é uma vacina para futuros problemas, pois na internet tudo que se faz pode ser notado por alguém. O cientista acredita que, se não houver limite, por ser uma rede técnica, a internet sempre permitirá que se vasculhe a vida de qualquer um.

“O pessoal que não gosta de IPv6 diz que agora todo mundo terá um endereço fixo, todos saberão o que cada um faz. Eu também tenho uma impressão digital, que é fixa e também não posso trocar. Porém, sso não quer dizer que ela tenha que ser recolhida por todo mundo”, disse o cientista, ao defender o marco civil. Para ele, existem formas de impedir a invasão de privacidade que independem da tecnologia usada. “A tecnologia pode ser invasiva, mas a lei tem que impedir isso.”

Outro ponto relevante é o uso de ferramentas que, aparentemente, não deixam traços [rastros] na internet, como o Projeto TOR, que promete navegação anônima. “Tudo isso é algo falacioso. Não deixam traço porque alguém transformou seu IP em outro IP. Mas quem transformou tem a possibilidade de guardar essa transformação”, ressaltou. Segundo Getschko, a maioria dos roteadores da Onion [do Projeto TOR] é rodada em trechos de domínio do Departamento de Estado dos Estados Unidos. “E eles querem ter aquilo na mão”, concluiu.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here