Nos tempos de atleta, Adriana Santos tinha como virtude principal a capacidade de produzir ofensivamente. De bônus, atuava na criação de jogadas. A ala-armadora foi uma das peças constantes da geração que passou por Jogos Pan-Americanos, Mundial e Olimpíada, tendo como costume retornar com títulos e pódios. Campeã mundial e medalhista olímpica, hoje Adriana Santos, nome e sobrenome, é uma das principais mentes pensantes do nosso basquete. Convidada a assumir o cargo de coordenadora da seleção feminina em janeiro de 2016, encontrou terra inóspita, em meio a um boicote de atletas, seis meses antes da Olimpíada do Rio. Quatro anos depois, a confederação e a seleção navegam em águas mais calmas e estão prestes a viver o maior desafio do ainda jovem trabalho de José Neto: a busca pela vaga olímpica que acontecerá de 6 a 9 de fevereiro, no Pré-Olímpico, na cidade de  Bourges (França). Adriana Santos conversou comigo no fim do período de treinos da seleção feminina, no Rio de Janeiro, antes da viagem da equipe para a Europa.

Ouro no Pan de Lima. Bronze na Copa América. Classificação no Pré-Olímpico das Américas. É só ver os resultados e atestar a evolução veloz da seleção. Existe algum processo interno, algo que o público não vê, que ajude a entender esse sucesso imediato?

Eu acho que toda mudança gera uma expectativa das pessoas e mesmo das atletas. A chegada do Neto veio para mostrar um basquete muito mais moderno, de muito estudo. Ele, com a sua comissão, conseguiu dar às meninas tudo que elas necessitam para simplesmente jogar basquete. Nós fomos para o Pan de Lima com poucos dias de treinamento e já conseguimos trazer o ouro depois de 28 anos. O José Neto trouxe alguns subsídios para que elas pudessem melhorar, elas aumentaram a confiança, se prepararam muito mais, e hoje chegam muito mais preparadas para os treinamentos. Mesmo à distância, a gente consegue passar para elas treinamentos físicos e psicológicos. Isso é importante, você já chegar preparada para o que vai vir pela frente. Eu acho que das outras vezes a gente não estava tão preparado assim.

Mas por que antes não estavam preparadas e agora estão? Afinal, estamos falando da seleção.

Na verdade, não tem um porquê, são vários. A Liga (Liga de Basquete-LBF) melhorou, tendo mais equipes atuando, as meninas podem atuar melhor entre elas, jogando fora do país, melhorando sua capacidade de jogo. Hoje, no Exterior, a gente tem Damiris, Érika, Clarissa, tem a Nádia, a Stephanie. Essa maturidade chegou no momento certo. Também tivemos problemas na gestão da CBB antes. Agora, temos o presidente Guy Peixoto (eleito em março de 2017, mais de um ano depois da chegada de Adriana) com uma nova filosofia de transparência. Podemos passar para as meninas, realmente, tudo o que está acontecendo. Isto faz com que a gente possa melhorar tanto no feminino, quanto no masculino. Eu acho que a mudança na gestão da CBB foi um grande salto para que a gente pudesse melhorar em todos os sentidos. Temos o COB também, que nos ajuda imensamente. A situação em que a CBB se encontrava era precária. Com essa ajuda, a gente conseguiu dar essa alavancada aí. Então, acho que é uma somatória de coisas.

O nome do seu cargo atualmente é ‘Gerente Técnica da seleção feminina’. O que, exatamente, faz uma gerente?

A minha função começa bem antes de iniciar os treinamentos. Eu vejo toda a logística de onde elas estão para que elas possam vir para cá (treinos no Brasil). Faço isso junto com o administrador Bruno Valentim. Quando o clube vai liberar a atleta, quando ela vai se apresentar, e tudo isso. Com relação a amistosos, se o Neto quer um amistoso lá com a Sérvia, eu entro em contato com eles (federação do país), faço toda essa intermediação. Corro atrás de toda a logística de treinamento: onde vai treinar, como vai treinar, que horas vai sair, etc. Então, eu vejo o todo. Vou em cada departamento ver o que é necessário: material, parte técnica… Engloba muitas coisas até chegar o treinamento. Depois que chega no treino, fica mais tranquilo (risos). Aí, eu faço essa logística do dia a dia, desde o café da manhã até o jantar, passando para CBB e COB um feedback.

Você teve participação na escolha do José Neto como técnico da seleção?

Quando a gente soube que o Neto tinha rompido lá com o time do Japão (Levanga Hokkaido), deu aquele start. Pensei: “ eu acho que é isso que a gente precisa, eu acho que essa mudança vai ser boa para elas”. A gente sabia que a ia ter muito questionamento sobre um cara do (elenco) masculino chegando no feminino, mas buscamos muito isso. Antes de o Neto assinar, eu fiquei conversando com ele, assistindo jogos com ele por uns dois meses, sem que ninguém soubesse. Quando ia ter jogo da liga (LBF), a gente entrava para assistir e eu explicava: “essa jogadora faz isso, aquela faz aquilo”. Expliquei todo o cenário feminino para ele, porque ele não conhecia. Foram dois meses ali trabalhando para que ele pudesse dar o ‘sim’. Acho que mostrei uma boa situação para ele (risos).

Quais as principais diferenças entre a rotina de uma atleta e a de uma gerente?

Quando você é atleta, não se preocupa muito com o que é administrativo. E tem muita coisa. Às vezes eu sinto falta das dores musculares que eu não tenho mais, mas agora eu tenho é dor de cabeça, porque a cabeça pega fogo de tantas coisas que a gente tem que resolver (risos). Mas sou muito bem resolvida com isso. Eu parei com 39 anos, hoje tenho 49. Então, já são dez anos nessa nova função. Eu também era coordenadora em Americana, na equipe adulta, agora só estou com as categorias de base da ADCF Unimed. Então, já faço isso há um bom tempo. Eu estou feliz com o que eu faço. O que eu tinha que fazer como atleta eu já fiz e eu procuro fazer o melhor, e não ficar pensando: “Ah, quando eu jogava eu fazia isso…”. O que eu tento passar para as meninas são as glórias que a gente teve e as dificuldades que nós tivemos para alcançar aquilo. Tem que ter dor, tem que chorar, porque nada vem de graça. Não adianta ficar falando para elas do que eu fazia quando jogava. Acho que tenho que mostrar para elas o que o nosso grupo fez, como a gente conseguiu ser campeão do mundo sem que ninguém acreditasse; mostrar além das medalhas olímpicas, para que elas tenham a história delas. A nossa é nossa.

E no basquete como um todo, o que você enxerga de diferente da sua época para os dias atuais?

Na minha época, não tinha tanta força. Hoje, tem muito mais recursos, muitos testes para saber se melhorou a força (DA atleta), se está correndo mais. Na nossa época, era uma coisa mais tranquila, não tinha tantos aparelhos que a gente pudesse usar para detectar a melhora das atletas. Acho que o que mais mudou é a intensidade. O jogo é muito rápido. Antigamente, a gente conseguia jogar 40 minutos e saía para beber uma água um minutinho e voltava. Hoje é impossível. Dificilmente uma jogadora vai jogar mais que 30 minutos. Eu acho que essa rotação, hoje em dia, é imprescindível, porque as equipes rodam demais. A que entra é tão boa quanto a que estava ou, às vezes, até mais forte. Intensidade do jogo e rotatividade, acho que são as grandes diferenças.

Como espectadora, o que desperta sua atenção no momento?

Eu não assisto muito NBA. Vejo mais NBB (Novo Basquete Brasil) e LBF. Não fico tão de olho em jogadores específicos, gosto de ver a tática das equipes, o comportamento dos técnicos, a liderança. Não vejo tanto o jogo em si. Procuro olhar mais para esse outro lado.

Você fez parte da geração mais vitoriosa do basquete feminino brasileiro. Mas imagino que, para terem ganhado tudo que ganharam, apenas ter uma quantidade absurda de talento não era suficiente. O que é preciso que esta geração e as próximas entendam como elemento fundamental para serem vencedoras novamente?

Eu acho que é o trabalho. Treinar, treinar e treinar. Tudo se treina. A parte psicológica se treina, o tático, o físico. Você não vai ver alguém que não treinou ganhar. A gente sabia que a nossa equipe não era uma equipe exemplar, mas a gente treinou cada atleta para fazer bem a sua função. A Hortência era a cestinha, então a gente trabalhava para que aquilo acontecesse. A Paula era a melhor passadora, a Alessandra a pivô que pegava os rebotes. Então, cada uma fazendo a sua função. E aqui é a mesma coisa. A gente precisa trabalhar para que as peças se encaixem da melhor maneira. Falo para elas: temos que levantar a cada dia e ir para o treino pensando no que podemos melhorar. Fazer meia-boca não adianta. Tem que fazer bem feito. E elas estão fazendo isso muito bem. Esse up que nós tivemos nesses meses foi porque elas trabalharam duro.

Depois dos bons resultados que essa seleção atual alcançou, quão importante é pontuar essa evolução com conquista da vaga para a Olimpíada?

Quando a gente fala que são quatro equipes para três se classificarem, parece que é muito fácil. Mas a gente sabe que não é. As equipes que vamos enfrentar (Porto Rico, França e Austrália) são muito boas. E não podemos esquecer que a gente está nesse trabalho há seis meses. Na França, por exemplo, a técnica (Valérie Garnier) está no segundo ciclo, são oito anos. Aqui no Brasil, as pessoas gostam do resultado para amanhã. Mas temos que ter os pés no chão. Se por acaso não acontecer, a gente tem que seguir trabalhando. Claro que vamos tentar de tudo, seria uma coroação do trabalho. Nós temos uma história no cenário mundial. Mas existe a possibilidade de ficar fora também. São três vagas para quatro. Um vai ficar fora. Que não seja o Brasil!

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here