A piora da atividade econômica em 2015 empurrou a produção industrial brasileira a níveis de 10 anos atrás, provocando um estrangulamento do setor, que encolheu para uma mínima histórica em termos de participação no PIB (Produto Interno Bruto).

Dados da Tendências Consultoria Integrada, a partir dos números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que no acumulado no ano até o 3º trimestre, a participação da indústria de transformação na composição total do PIB caiu para 11,4%, ante uma fatia de 11,7% em 2014.

Para 2016, as projeções apontam que essa participação irá ficar pela primeira vez abaixo de 10%.

A retração da indústria está diretamente relacionada à crise de confiança dos empresários e consumidores. O desânimo acaba afetando tanto as vendas e encomendas como os planos de investimento e de expansão da capacidade produtiva.

“A indústria é o setor mais afetado pela crise. Além de vir perdendo competitividade, a produção de setores como de veículos, máquinas e equipamentos é muito sensível à redução da confiança ou à paralisação dos investimentos”, afirma o analista da Tendências Rafael Bacciotti.

A produção industrial acumula queda de 7,8% no ano, até outubro (últimos dados divulgados pelo IBGE).

Na indústria de transformação (máquinas e bens de consumo), considerada a mais importante pelo efeito multiplicador na economia e por empregar o maior número de mão de obra formal e especializada, a queda no ano éde 9,6%.

Já no segmento de bens de capital, que inclui máquinas e equipamentos e que funciona como uma espécie de termômetro dos investimentos no país, o encolhimento é ainda mais profundo, de 24,5% – o maior da série histórica, iniciada em 2002.

Produção recua a nível de 2005
O setor industrial está operando no nível mais baixo desde 2005, segundo levantamento da Tendências. Entre janeiro e outubro, o nível de produção da indústria de transformação ficou em 90,27 em número índice – pior patamar desde 2005, quando registrou nível de 89,35. O pico da série iniciada em 2002 foi registrado em 2013, quando chegou a 102,81 pontos.

O encolhimento ocorre mesmo diante da desvalorização do real frente ao dólar e à queda das importações, o que, em tese, contribui para uma maior competitividade da produção nacional.

O analista de bens de capital da tendências, Felipe Beraldi, explica que a crise da indústria está diretamente relacionada à deterioração da demanda doméstica.

Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que o percentual de utilização da capacidade instalada foi de 77,7% em outubro. Há um ano estava em 81%. Na indústria de máquinas e equipamentos, o nível de uso da capacidade tombou para 66,4% – o pior desde 1980, segundo a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).

“Temos observado em 2015, uma deterioração muito grande da confiança devido ao elevado grau de incertezas tanto no ambiente econômico quanto no político. E quando o empresário tem uma capacidade ociosa, ele segura o investimento”, diz Beraldi, acrescentando que a indústria de bens de capital também tem sido fortemente afetada pelos impactos da operação Lava Jato nos setores de petróleo e gás e infraestrutura.

Segundo estudo do Ministério da Fazenda, somente a redução dos investimentos da Petrobras implicou em uma queda de “2 pontos percentuais do PIB ao longo de 2015”.

Pedro Lúcio, proprietário da empresa RTS Válvulas, com fábrica em Guarulhos (Foto: Divulgação)

Nas empresas, a queda das encomendas tem se transformado em corte de trabalhadores. Na RTS Válvulas, em Guarulhos, metade dos funcionários foram demitidos em 2015 após o faturamento cair cerca de 30%.

“Eu tive que fazer uma redução de 100 funcionários e diminuir também a jornada de trabalho por 4 meses”, conta o empresário Pedro Lúcio. “O plano para 2016 é tentar manter a porta aberta e a luz acesa”, completa.

Fabricante de válvulas do tipo borboleta e de retenção, a empresa tem entre seus principais clientes as indústrias dos setores de óleo e gás, saneamento, siderurgia e mineração. “Parou tudo. Não se tem mais negócio, mais projeto. O que eu vendo para a Petrobras hoje é 1% do que vendia nos anos anteriores”, diz o empresário.

Setores mais afetados
Os números do IBGE mostram que a crise na indústria é generalizada. Dos 26 ramos industriais analisados, apenas o das indústrias extrativas (mineração e petróleo) não registram queda em 2015. Mas a alta de 6,3% na produção veio acompanhada de uma forte queda nos preços internacionais do minério de ferro e do petróleo.

A queda mais acentuada na produção foi verificada nos setores de veículos automotores, reboques e carrocerias (-24,6%) e de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-29,2%).

Dados da Anfavea mostram que a produção de veículos recuou ao menor nivel desde 2006. No acumulado no ano, até novembro, a indústria automobilística acumula queda de 22,3% na produção, com 2,28 milhões de unidades fabricadas.

Outros ramos da indústria que registraram forte encolhimento em 2015 foram os de produtos têxteis (-13,7%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-13,3%), móveis (-13,2%) produtos de metal (-11,2%), máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-11,0%) e confecção de artigos do vestuário e acessórios (-10,1%).
Desindustrialização
Para Guilherme Moreira, gerente do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp, o mais preocupante é o ritmo de queda e encolhimento da indústria.

“Nunca na história a indústria teve uma participação tão baixa no PIB. A queda está sendo muito rápida e se está recuando a níveis nunca vistos”, diz o economista.

Ele lembra que, em 1985, o peso do setor do PIB chegou a representar 21,6% e que o nível atual é inferior ao do Brasil da era pré-industrial. “Em 1947, o dado mais antigo disponível da série, essa participação era de 11,9%”, afirma – maior que os menos de 10% esperados para o próximo ano.

Em países como Alemanha e França, a indústria representa cerca de 20% do PIB. No México, a participação é de 17%. Nos Estados Unidos é bem menor, ao redor de 12%. Já na China, beira os 30%.

O processo de desindustrialização tem ocorrido nas últimas ocorreu em inúmeros países. Nas maiores economia do mundo, como no Brasil, o setor de Serviços responde pela maior composição do PIB. A diferença está na forma como esta transição tem acontecido.

“Nos países desenvolvidos, a migração para o setor de serviços acontece a partir do momento emque você tem uma população altamente qualificada. No Brasil, estamos no pior dos mundos porque abrimos mão da indústria sem ter uma opção à altura. Não temos uma Apple. Não se sustenta o crescimento num país de 200 milhões de habitantes com setor de serviços de baixo valor agregado como o que temos hoje”, diz Moreira.

Ele lembra que o setor industrial, além de apresentar a maior taxa de formalidade de emprego em comparação a todos os setores, tem uma cadeia longa, com efeito multiplicador em outras atividades. “Para cada emprego numa montadora, você tem mais 3 ou 4 na cadeia. Quando se manda embora um funcionário, estão sendo cortados mais 3 ou 4 de autopeças, pneus, plástico, borracha, eletrônico”, explica o economista.

De acordo com os números do governo, todos os setores da economia demitiram no mês passado. O setor de construção civil, por sua vez, foi responsável pelo maior corte de vagas em outubro: foram 49.830 postos perdidos no período.

No ano, 48.444 vagas foram fechadas no país na indústria de transformação. O setor só não demitiu mais do que construção civil, que liderou o corte de postos de trabalho com um total de 49.830 vagas eliminadas.

Perspectivas para 2016
Se 2015 foi péssimo para a indústria, as perspectivas para 2016 não apontam para nenhuma reação. A Tendências projeta um recuo de 6,2% na indústria de transformação no que vem e uma queda de 7,9% no setor de bens de capital, o que fará a produção andar ainda mais para trás, retornado a níveis próximos de 2004.

“As perspectivas para curto prazo é que essa indústria continua enfraquecida. Recuperação mais substancial só mesmo a partir de 2018″, avalia Felipe Beraldi.

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