Poucas coisas tem sido tão rotineiras na vida de quem busca uma oportunidade de empreender no Brasil em meio à crise quanto os desafios gerados pela burocracia. Montar um negócio por aqui não é nada fácil. E, depois que sai do papel, corre sérios riscos de não ir para a frente. Em média, três em cada dez empresas no país não passam dos dois anos de vida. Se você é destes que não perde uma boa oportunidade de negócios, deveria considerar seriamente uma opção: que tal montar um sindicato?

Por ano, surgem em média 250 no país, se somando aos mais de 15 mil sindicatos já existentes. Destes, dois em cada três representam trabalhadores de qualquer categoria, os demais são os chamados sindicatos patronais. Na prática, há um sindicato no Brasil para cada 5 mil trabalhadores, média mais elevada do que a da Argentina, com um sindicato para 320 mil trabalhadores, ou do Reino Unido, com um para 230 mil.

Trata-se de um negócio em franco crescimento, que pode requerer de você bastante criatividade no início, mas promete render bons frutos, ou vai dizer que montar o Sindicato das Indústrias de Camisas para Homens e Roupas Brancas do Estado de São Paulo não exige um certo esforço criativo? Se não lhe convenceu, basta lembrar que por aqui temos também o Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais, em outras palavras, o sindicato dos sindicalistas.

Tudo isso tem suas razões de ser. A despeito da baixa representatividade dos sindicatos brasileiros (nada menos do que um em cada cinco sindicatos nunca participou de uma negociação coletiva), com uma taxa de filiação considerada baixa em relação a maior parte dos países europeus, nossos sindicatos prosperam e se tornam uma oportunidade e tanto para quem os comanda.

Ao ano, independentemente da representatividade, nossos sindicalistas abocanham R$ 3,9 bilhões. Um valor equivalente a todo investimento anual do Ministério da Saúde em novos equipamentos para hospitais, e ambulâncias. Tudo isso graças ao chamado imposto sindical, criado por Getúlio Vargas em 1937, no Estado Novo.

A despeito disso, boa parte deles estará lado a lado, ignorando rivalidades existentes, protestando contra reformas, e em favor de uma agenda política ou econômica, na chamada greve geral. O certo é que independente de quantos deles esteja nas ruas neste momento, boa parte está lutando pelos próprios interesses e privilégios (afinal, é justamente esta a função de ser de um sindicato, lutar pelos seus membros), nem que para isso, tenham esquecido de lhe contar parte da história. Justamente o que lembramos abaixo:

Mais direitos trabalhistas não significam necessariamente uma renda maior para você
O que leva um espanhol a trocar um dos países europeus com maior quantidade de leis e direitos trabalhistas e um salário mínimo de 825 euros por mês, pela Suíça, um país onde sequer há salário mínimo? Ou, o que levaria um mexicano a trocar um país onde após a demissão, você pode receber até 74 semanas sem trabalhar, por um país onde não existem férias pagas regulamentadas, e muito menos aviso prévio para demissão como os Estados Unidos?

Perguntas como estas podem parecer simples, ou ainda, sem sentido, mas fazem parte do dia a dia de milhões de pessoas ao redor do planeta que deixam seu país com um objetivo comum: melhorar de vida.

Na prática, o que estas mesmas milhões de pessoas já perceberam, é que muito mais do que textos, leis e decretos que dizem garantir seus direitos e o bem-estar, o que importa no seu dia a dia é ter boas oportunidades de crescer, ampliar sua renda e buscar uma melhor satisfação no seu padrão de vida.

Nada menos do que quatro milhões de indonésios, que moram no país onde é mais difícil demitir alguém na Ásia, migraram para outros países da região, onde ainda que não tenham os mesmos direitos descritos no papel, conseguem conquistá-los na prática, como consequência do seu trabalho.

Receber uma renda maior é uma consequência própria de países onde o sistema político age para preservar e garantir as condições dignas para que alguém possa agir e buscar esta situação, seja pelo trabalho, ou pelo empreendedorismo, e não pela quantidade de papéis que lhe garantem o paraíso na terra, e na prática, não lhe entregam nada de mais.

Tudo isso porque ainda que haja vontade política de sobra e que o governo determine maiores salários, como fez ao longo dos últimos anos, não é possível aumentar o bem-estar e a riqueza da população sem que ela se torne mais produtiva, e justamente aí, pecamos, e muito.

Um brasileiro que vive hoje em 2017 produz a mesma quantidade de riqueza que um americano em 1970. Em outras palavras: não conseguimos crescer mais do que um país já consolidado.

Nossa produtividade média cresce a taxas de 0,46% ao ano em média, o que limita, e muito, a capacidade de gerar oportunidades e dar uma vida digna a população — ainda que o governo se empenhe em criar leis dizendo que você deve ter direito a esta dignidade. Temos a conta daquilo que gostaríamos ter, mas não produzimos o suficiente para pagá-la.

Não houve greve geral quando o governo decidiu entregar R$ 1 trilhão do seu dinheiro a grandes empresários
Poucas coisas foram tão desastrosas na economia brasileira nos últimos dez anos quanto nossa política industrial. Na prática, a concepção adotada pelo governo se baseou em dois princípios: o primeiro, garantir o crédito a quem quisesse produzir, e, o segundo, dar incentivos fiscais, como menos impostos ou mesmo energia subsidiada por décadas.

O resultado notório foi um aumento substancial da dívida pública, que continuará sendo paga por todos nós sem que necessariamente tenha havido um aumento na produção.

Sem agir para melhorar o ambiente econômico reduzindo burocracia e facilitando as condições de trabalho, a economia estagnou, ou pior, decresceu, na maior recessão da história do país.

À frente deste processo, o BNDES, o banco responsável por distribuir R$ 523 bilhões em empréstimos, 70% dos quais para grandes empresas, e financiar obras em dezenas de outros países (82% das verbas para estas obras foram parar na Odebrecht).

Então, onde estavam as centrais sindicais enquanto tudo isso ocorria? A resposta não é das mais difíceis. Enquanto tudo rolava, o presidente da CUT, a maior das centrais sindicais, estava ocupando uma cadeira no conselho do mesmo BNDES, onde alguns ministros, também conselheiros, chegavam a tirar R$ 23 mil mensais. Em outros fundos como o FI-FGTS, outras centrais sindicais se fizeram presentes, sem que nenhuma tenha percebido que Eduardo Cunha roubava sem medo o fundo, parte do seu salário.

Não, a CUT não é a favor do fim do imposto sindical
O fim do salário mínimo pode parecer um tema central para todas as entidades envolvidas, afinal, ninguém iria querer está boquinha certo? Ao menos quando se trata da CUT, a história parece ser um pouco diferente.

Segundo a própria, a central sindical é justamente a favor de acabar com o imposto sindical obrigatório.

Pode parecer estranho, mas a realidade explica o porquê desta posição. A entidade defende o fim da obrigatoriedade, mas não sem apresentar uma alternativa: a contribuição negocial.

Em substituição a um imposto sobre o qual não possui qualquer controle, aquele que lhe retira 1 dia de trabalho no ano, a entidade propõe que o valor a ser arrecadado seja definido em assembleia pelos próprios trabalhadores.

O resultado é que caso isto ocorra, entidades sem representatividade, ou menores que a própria CUT, perderiam os recursos, e esta poderia propor valores até mesmo maiores do que o atual.

Nada de definir o valor em Brasília, mas sim em assembleias, democraticamente comandadas pela própria CUT.
A maior parte dos brasileiros está excluída dos direitos trabalhistas, pois não consegue pagar por eles

Manter um trabalhador devidamente regularizado no Brasil, com todos os direitos pagos e garantidos pode parecer uma decisão meramente moral, mas na prática a decisão tem, e muito, um componente econômico forte. Imagine por exemplo que para R$ 1.000 em salários pagos, os direitos e benefícios deste mesmo trabalhador podem custar até R$ 1.030. Em outras palavras: o dobro do salário.

Considerando que cada empresa deve ainda suprir falhas na educação pública e treinar seus funcionários, administrar pessoal, pagar por horas não trabalhadas (como finais de semana ou feriados), manter condições dignas no local de trabalho para enquadrar-se na lei, como refeitórios por exemplo, o custo final de cada trabalhador que ganha R$ 1.000, pode acabar saindo por R$ 2.920, dos quais, lembre-se, apenas R$ 920 param no seu bolso, dado que você ainda deve pagar a previdência.

Na ponta do lápis, empregar alguém regularmente no país é um desafio e tanto, e que significa exigir do trabalhador empregado, um retorno que compense a empresa.

Para um país onde 30% dos trabalhadores não tem sequer o ensino médio completo, e onde empresas investem relativamente pouco, comparado a outros países no mesmo nível de renda (em especial pelos nossos elevados juros), conseguir produzir riqueza suficiente para bancar os custos é um desafio, dos grandes.

Imagine que um jovem, recém completados 18 anos, sem experiência no mercado de trabalho, tenha de produzir 3 vezes aquilo que conseguirá agregar a empresa para estar dentro da lei.

Nem mesmo toda boa vontade e moralidade do mundo pode fazer com que uma empresa pague por aquilo que não é capaz de produzir.

O resultado prático é um elevado grau de desemprego entre os mais jovens, e que descamba para um também elevado desemprego e baixo rendimento na vida adulta.

Em média, cada trabalhador informal ganha até 40% menos. E eles não são nem de longe uma exceção. Na região nordeste, nada menos do que 65 em cada 100 trabalhadores não possuem contratos regidos pela CLT.

Ao não se permitir que tais pessoas estejam protegidas pelo estado, mesmo que não produzam riqueza suficiente para bancar esta proteção, o país acaba por excluir deliberadamente boa parte de seus trabalhadores, condenando-os uma vida com rendimentos menores, que se traduzem em prejuízos ao país.

Casos como o MEI, o micro empreendedor individual, demonstram como é possível com simplificação, garantir maior dignidade. Para estar conforme a lei, é necessário que cada trabalhador pague R$ 46,85.

Não apenas o país vê seu potencial se esvair nas mãos de burocracias ainda rígidas, como o próprio governo acaba perdendo. Contribuição previdenciária e FGTS são os dois impostos mais sonegados no país, dado que metade da população não é regida pela CLT.

O resultado: um rombo bilionário na previdência e exclusão social.
Os mais afetados em qualquer reforma da previdência são justamente os que ganham mais: os funcionários públicos

Reformar a previdência tem sido uma prática comum a qualquer governo que por aqui passe. Nenhum deles por exemplo, implementou tantas reformas, retirando direitos, como o primeiro governo Dilma.

Criado em 2013, o Funpresp prevê que os trabalhadores públicos que quiserem receber acima do teto da previdência geral tenham de contribuir para um fundo que arque com suas aposentadorias e pensões no futuro.

Em média, cada trabalhador público ligado ao executivo (portanto, não inclusos juízes e políticos), recebe seis vezes o que cada trabalhador aposentado pelo INSS recebe.

O resultado é que, até 2015, o rombo de 1 milhão de funcionários públicos equivalia a todo o rombo da previdência com 28 milhões de aposentados e pensionistas rurais e urbanos.

Ainda hoje, o peso é grande, e, portanto, alvo de parte significante da reforma da previdência.

Mesmo com todas as negociações e cessões por parte do governo atual, que não resistiu a pressões do corporativismo, o funcionalismo é o centro da atual reforma, e, não à toa, de onde saem os principais protestos de sindicatos.

Cabe lembrar que nada disso é uma consequência direta de escolhas do funcionalismo. Desde os anos 70, todo funcionalismo é obrigado a pagar contribuições para o governo, e receber suas pensões, em tese, como qualquer cidadão comum: os que trabalham hoje pagam para os que se aposentaram e assim por diante.

Na prática, como jamais poupou o dinheiro, decidindo gastar tudo, o governo acabou se vendo sem condições de continuar neste mesmo esquema, dado que hoje, ao contrário dos anos 70, quando tudo começou, há déficits na previdência do funcionalismo, e dos grandes.

Ao permitir que cada trabalhador público poupe seu dinheiro e receba conforme os rendimentos, o governo poderia criar um enorme benefício ao país, gerando poupança, e claro, segurança ao funcionalismo, que deixaria de receber baseados em promessas e passaria a receber baseado naquilo que de fato lhes pertence: a poupança para aposentadoria.

Para os sindicatos presentes em manifestações trata-se de uma retirada de direitos, dado que o funcionalismo deveria ter direito de receber direto do governo. Falamos aqui portanto de duas visões distintas, baseadas em duas convicções distintas: na primeira, você confia na palavra de políticos e no que diz a lei. Na segunda, confia naquilo que você vê lá guardado, o seu dinheiro.

Cabe a cada um escolher o que é melhor: uma promessa ou uma certeza, ainda que possa ser menos vantajosa.

Fonte: Jornal Gazeta do Povo / Curitiba

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